Não só como ferramenta estratégica para mobilizar dentro da empresa ações afirmativas pró diversidade racial. Mas, também, para que de fato padrões de comportamento preconceituosos sejam repensados e debatidos com o intuito de acabar com a desigualdade presente no ambiente corporativo.

Pois, muitas vezes, esse privilégio é manifestado em forma de favoritismos. Tornando as relações de trabalho desiguais entre as equipes. E apesar de, por si só, a concepção de privilégio branco não denotar bondade ou maldade, sua manifestação acaba invisibilizando, somente, corpos não brancos.

Sendo, desta maneira, um dos principais fatores que sustentam a estrutura do racismo em nossa sociedade.

Mas, antes de nos aprofundarmos neste assunto, vamos começar pelo princípio.

O que é privilégio?

Antes de mais nada é bom começar se perguntando o que é privilégio. Privilégio é um conceito sociológico onde, determinados grupos de pessoas possuem vantagens sociais em comparação a outros.

O privilégio não está necessariamente relacionado ao quão esforçada uma pessoa pode ser, ou quão determinada e talentosa essa mesma pessoa é no trabalho. Apesar de, o esforço e a determinação contribuirem para que ela conquiste mais vantagens. Ser privilegiado é ter vantagens em relação a outra pessoa, num certo campo da vida.

Para entender melhor como os privilégios se apresentam em nossa sociedade é preciso saber que nossas interações com o outro é atravessada por interseccionalidades.  Em que, cada indivíduo carrega consigo um bocado de experiências firmadas em raça, gênero, orientação social, classe social dentre outras. E todas elas devem ser consideradas.

Conceito sistematizado pela teórica feminista e jurista Kimberlé Crenshaw, inicialmente focado em gênero e raça. Posteriormente, o conceito foi abordado em outras categorias.

Por exemplo, uma mulher negra que ao longo de sua vida teve acesso a educação de qualidade, com apoio financeiro e por conta disso, não precisou trabalhar enquanto estudava. Certamente, possui vantagens em relação a um homem branco que não teve o mesmo apoio financeiro e precisou se dividir entre trabalho e estudo.

No entanto, em um cenário de seletiva de emprego, existe uma grande chance de essa jovem mulher negra, mesmo sendo mais qualificada que o homem branco para a vaga, seja recusada. Por que será? Neste exemplo, temos a intersecção de gênero e raça acontecendo simultaneamente. E seria muito ingênuo ignorarmos a relação desses fatores com o privilégio branco.

Em nosso outro artigo, “Mês da consciência negra: quais os avanços e desafios da diversidade racial nas empresas​​”, falamos um pouco mais sobre a desigual presença de pessoas negras e brancas nos ambientes corporativos. Como também a diferença de cargos nas empresas.

Um bom começo é entender como esses privilégios impactam a estrutura da sociedade e o que você  e sua empresa podem fazer para romper com a manutenção da desigualdade. Trazendo para sua equipe mais diversidade, contratando pessoas negras, pessoas trans, pessoas com deficiência e indígenas.

Discutir sobre o privilégio branco é mais do que necessário.

Você sabia que o privilégio branco existe?

Quando se vive numa estrutura social condicionada somente à beneficiar corpos brancos, entender o que é privilégio branco se torna fundamental para combater o racismo. Seja dentro ou fora do mercado de trabalho.

A feminista, antirracista e professora na Wellesley Centers for Women ,Peggy McIntosh, foi uma das primeiras intelectuais acadêmicas a falar sobre privilégio branco. Em seu artigo: “White Privilege and Male Privilege: A Personal Account of Coming to See Correspondences Through Work in Women’s Studies” (1988), onde também relaciona a questões de gênero.

O privilégio branco é justamente a vantagem que pessoas brancas têm em relação a outros grupos étnicos-raciais. É um problema que vem de uma longa história de escravidão e da ausência de políticas públicas comprometidas em incluir pessoas negras na sociedade como sujeitos socio e politicamente livres.

De que maneira esse privilégio branco se manifesta? Bem, estar na posição de pessoa branca significa experienciar a vida em sociedade com maior conforto e tranquilidade. Pois, ser negro no Brasil é estar constantemente sob a prova de obstáculos, hostilidades e precariedades.

Privilégio branco é poder:

  • não ter o corpo confundido por um criminoso 
  • identificar-se com todas as narrativas de sucesso 
  • ter sua subjetividade respeitada 
  • transitar por diferentes espaços sem ser monitorado ou acusado de tentativa de roubo 
  • não ter sua intelectualidade e capacidade profissional colocada a prova a todo tempo
  • não ter o corpo vinculado a falta de higiene e muito menos a aparência questionada em processos seletivos 
  • a meritocracia só funciona para brancos 

As manifestações do privilégio branco chegam a invadir os limites sociais, políticos, econômicos e até mesmo comportamentais determinando como essas instâncias devem ou não devem ser. Confundindo e apagando a noção de direito e privilégio.

O direito está na ideia de que todos podem se beneficiar de algo. Faz parte da constituição e é de responsabilidade do Estado a garantia e manutenção de direitos que proporcionem segurança, saúde,educação e moradia. Basicamente, o direito de viver uma vida digna em sociedade.

Diferente dos privilégios, a intenção do direito é ser democrático, abraçando as diversidades. Proporcionando a todos os indivíduos condições iguais para exercerem sua autonomia como sujeito social e político.

Somos todos humanos, não vejo cores: o privilégio da branquitude se dizer sem cor

Essa frase é dita diversas vezes, principalmente quando o assunto em questão é a necessidade de adotar políticas de DEI para ter mais diversidade na empresa. Frases como esta, acabam por menosprezar as demandas raciais na organização, tornando-as irrelevantes para tal mobilização.

Como também, silenciam as narrativas plurais de pessoas racializadas que se encontram em condições desiguais de trabalho e oportunidade.

Mas o que seria essa tal branquitude ?

A branquitude é a expressão máxima do privilégio branco.

Em sua dissertação, “Entre o visível e o invisível: a branquitude e as relações raciais nos conteúdos curriculares de ensino de História”, Cléber Texeira Leão,mestre em Ensino de História pela UFRGS. Nos mostra que a branquitude representa o poder e a liberdade do corpo branco na sociedade; e que durante o processo de construção da sua identidade, o branco foi se invisibilizando enquanto raça e passou a racializar apenas o outro diferente dele.

Neste sentido, a narrativa da pessoa branca é construída para ser o modelo padrão. E a branquitude sendo o espaço de manifestação do branco como modelo universal de comportamento e cultura. Fazendo com que não seja entendido como cor, como raça.

E tudo isso dá passabilidade para que pessoas brancas não sofram preconceitos, já que diferente é o outro e não ele. Muito se engana quem acredita que o privilégio branco é restrito às classes sociais mais altas.

Pessoas brancas, economicamente desprovidas, também bebem um pouco da fonte do privilégio branco e usufruem do racismo institucionalizado.

Visto que, apesar das possíveis dificuldades que um indivíduo branco possa ter para acessar o mercado de trabalho em uma posição mais qualificada, nenhum dos obstáculos será de cunho racial. Os processos seletivos, o crescimento na empresa, a permanência e  até mesmo a cultura organizacional, todos eles são pensados a partir e para o sujeito branco.

Por que distanciar-se de discursos meritocráticos na empresa é importante para romper com privilégios e aumentar a diversidade racial?

Na teoria, o discurso da meritocracia parece ser justo e ideal. Aquela ideia de que, individualmente, as pessoas são capazes de alcançar seus objetivos apenas com esforço, força de vontade e trabalho duro.

No livro, The Meritocracy Myth(2004), McNamee e Miller foram os primeiros a desvendar a falácia desse conceito, se aproximando mais do significado real de meritocracia na nossa sociedade atual. Um conceito baseado em uma estrutura individualista e excludente, que desconsidera as condições sociais e históricas.

Para a sociedade brasileira, fortemente marcada por questões de desigualdade racial, no qual o racismo estrutura todas as relações e está presente tanto nas relações cotidianas, quanto nas relações de poder. Sabemos que o discurso meritocrático não só é injusto, como também excludente.

Utilizar desse discurso como valor na empresa, só reforça a manutenção de privilégios. O favoritismo é um dos grandes desmotivadores para aqueles que são excluídos desse processo.

Por conta disso, é importante que você e sua organização compreendam a importância de romper com os privilégios e favoritismos no ambiente de trabalho.

4 formas de tratar o privilégio branco dentro da sua empresa

1 – Reconheça seu privilégio branco e os possíveis hábitos excludentes na sua empresa

Comece assumindo que pessoas brancas da sua empresa, incluindo você, estão em posição de privilégio. E reconheça a possibilidade das relações de trabalho, na sua corporação, estarem reproduzindo situações excludentes e preconceituosas para com grupos minorizados.

2 – Fortaleça a comunicação assertiva com os grupos de afinidade da empresa

Um bom caminho para evitar favoritismos é aumentar e melhorar os diálogos com os grupos de afinidade. Construa espaço de oportunidades iguais que estabeleça um canal de comunicação com os diferentes grupos que compõem o corpo da organização.

É importante que a liderança esteja disposta a ouvir esses colaboradores, a fim de descobrir mais sobre suas demandas como indivíduos racializados  e permita que eles participem de maneira mais ativa na elaboração de soluções para conflitos.

3 – Aumente a confiança entre a liderança e a sua equipe, estreitando os vínculos

Não é preciso invadir o espaço pessoal e íntimo da sua equipe para estreitar os vínculos. Apenas mude a perspectiva de liderança que você quer passar. Humanize mais a figura do líder, faça com que seus colaboradores vejam em você uma figura de igualdade,de conselheiro, confiante e aberta ao diálogo próximo.

4 – Tenha uma gestão de metas comprometida a evitar a ocorrência de favoritismos

Construir uma gestão de desempenho que abrace as singularidades de trabalhar com uma equipe diversa é estratégia fundamental para romper com os privilégios dentro da empresa.

Assim, contar com um sistema de mediação de metas e competências garante avaliar o nível de desempenho individual de seus colaboradores. Aumentando as chances de ter decisões mais assertivas sobre eventuais promoções ou demissões.

Você já pensou em ouvir o que os grupos de afinidade da sua empresa tem a dizer? Ainda não entende muito bem quem são e qual a sua importância para a cultura organizacional?  Entenda um pouco mais lendo esse nosso artigo aqui!