É inegável que aplicar todas essas ações afirmativas no ambiente corporativo é  fundamental. No entanto, o que não é tão intuitivo assim é o quão qualitativa essas políticas de diversidade, equidade e inclusão estão sendo.

Será que grupos sub-representados como profissionais negros, pessoas com deficiência, indígenas e outros grupos historicamente minorizados estão sendo realmente ouvidos. Se de fato podem se posicionar com protagonismo.

É justamente neste pronto que entra o lugar de fala.

Nos últimos tempos, o assunto lugar de fala vem crescendo e ganhando relevância junto a temática de diversidade e inclusão dentro e fora das organizações. E discutir sobre essas ideias se torna cada vez mais necessário para dar direcionamento às nossas ações como sujeitos sociais.

De modo que, para toda liderança que deseja construir em sua empresa um ambiente de trabalho diverso e mais inclusivo, entender o conceito de lugar de fala e colocá-lo em prática é importante para a promoção efetiva e segura das políticas de DEI.

Afinal, o que é lugar de fala?

Em sua obra, “O que é lugar de fala?” (2017), a filósofa, feminista negra e escritora, Djamila Ribeiro, apresenta o conceito de lugar de fala como um lugar social no qual cada um de nós ocupamos.

Para a filósofa, esse lugar que cada um ocupa socialmente faz com que se tenha experiências distintas e com perspectivas diversas. E a partir disso, Djamila nos mostra que o lugar de fala parte da desconstrução da ideia de um sujeito universal.

Um sujeito cuja fala estaria representando todas as vozes da sociedade, deixando de lado as individualidades e a total capacidade dessas outras vozes protagonizarem suas próprias experiências.

Sabemos que no Brasil os diversos grupos minorizados ainda permanecem excluídos e afastados de espaços políticos, espaços de sociabilização, do mercado de trabalho e de espaços até mesmo subjetivos. E consequentemente, são menos representados e suas vozes menos ouvidas.

Ainda em seu livro, Djamila Ribeiro aponta que esse processo hierárquico de exclusão faz com que se construa uma ideia inferiorizada das produções intelectuais, saberes e vozes desses grupos.

E por conta deste cenário excludente, o lugar de fala surge com o intuito de dar visibilidade e protagonismo a pessoas cujas vozes e pensamentos foram por muito tempo colocados em um lugar silenciado.

O lugar de fala reduz os debates?

De forma alguma! Há uma ideia equivocada de que o lugar de fala restringe a troca de ideias, limitando o direito da fala apenas para alguns.

Pelo contrário, o espaço para o debate é aberto para todos.  A intenção é possibilitar que diversas vozes sejam ouvidas e encaradas com seriedade. Pois, todas as pessoas têm um lugar de fala: pessoas brancas, negras, da comunidade LGBTQIAP+, PCDs, entre outros.

E o lugar de fala representa a garantia de liberdade para cada grupo se reconhecer e compreender em qual lugar social se encontra para falar com propriedade a partir dele.

Portanto, o lugar de fala não se trata de quem pode e quem não pode falar. É sobre entender que cada indivíduo deve se posicionar conscientemente e ter responsabilidade social do seu lugar de fala. Reconhecendo seus privilégios e da sua vantagem sobre os indivíduos socialmente marginalizados.

Lugar de fala e representatividade

Lugar de fala e representatividade não são a mesma coisa. Porém, estão diretamente conectados.

A representatividade está mais ligada à representação efetiva e de qualidade de pessoas, figuras e grupos em nossa sociedade. Ou seja, encontrar a expressão de narrativas diversas em diferentes espaços.

Mas como dissemos, esses dois conceitos andam lado a lado. Afinal de contas, é a partir da representatividade das camadas minorizadas da sociedade em diferentes esferas de tomada de decisão, que se torna possível garantir lugares de fala para as vozes desses grupos serem ouvidas.

Ou seja, mulheres negras, comunidade LGBTQIAP+ e pessoas com deficiência passam a ter protagonismo nas tomadas de decisão. Trazendo novas perspectivas e soluções para processos que lhes dizem respeito.

A interseccionalidade

Quando nos deparamos com o conceito de lugar de fala e representatividade não podemos esquecer as diferentes camadas que cada pessoa carrega consigo.

É relevante que toda organização que busca construir ambiente de trabalho mais plurais e inclusivos, olhem para às políticas de diversidade e inclusão de forma interseccional.

A interseccionalidade foi um conceito sistematizado pela teórica feminista e jurista Kimberlé Crenshaw. Lá no início, a teórica focou seu estudo na intersecção entre gênero e raça.

No entanto, ao longo do tempo, o conceito serviu para explicar a relação entre outras categorias, como orientação sexual, geração e classe. Esclarecendo a complexidade das identidades e das desigualdades sociais.

Na prática, ao trazer o conceito de lugar de fala para cultura organizacional, o empregador deve olhar para questões sociais considerando todos os elementos identitários: gênero, classe, raça, etnicidade, idade, deficiência, mães, orientação sexual, pessoas 60+ e outros mais. Para que de fato, as políticas de DEI tenham ação efetiva e comprometida.

Abrindo espaço para todas as vozes

Para começar, sabemos que a desigualdade é um ponto-chave nessa questão. E a ausência de representatividade e lugar de fala no mercado de trabalho só ajudam a potencializar os estereótipos criados sobre grupos minorizados. Perpetuando a desigual proporção de oportunidades e restringindo o acesso dessas pessoas a esses espaços.

Segundo dados do IBGE, a sub-representação de mulheres negras no mundo corporativo é expressiva. Mulheres negras são 28% da população brasileira, mas representam apenas 6% das contratações em empresas. Além de receberem menos 44% do salário de um homem branco.

Outra pesquisa realizada pela Bain & Company junto ao Linkedin, aponta que mulheres em cargos de liderança em empresas somam somente 3%.

Inserir essas pessoas no mercado de trabalho e principalmente em posições de liderança é possibilitar o exercício do lugar de fala dessas vozes. Assumindo a importância de desconstruir  estereótipos na comunicação e acabar com a perpetuação de desigualdades nesses espaços.

Quando promovemos o lugar de fala nas empresas, conseguimos:

  •  Fortalecer a diversidade e a cultura inclusiva da organização, ao abrir o canal de comunicação interno e externo. Entre colaboradores e lideranças e seus clientes.
  • Impulsionar a cultura organizacional na direção de um ambiente mais justo, proporcionando espaços maiores de troca, confiança e permanência.
  • Oferecer um espaço de trabalho mais acolhedor aos grupos minorizados. E por consequência, aumenta-se a sensibilidade sociocultural da equipe, trazendo novas perspectivas para as soluções de trabalho. 

É importante lembrar que o lugar de fala dos colabores e colaboradoras nas empresas está intrinsecamente ligado a condição social dessas pessoas no mundo aqui fora. Não sendo possível ignorar o significado do lugar social e a responsabilidade que carregamos sobre o impacto que a mudança pode causar nessas diferentes vidas.

Permitir o protagonismo dos grupos sub-representados é a via comprometida para a criação de organizações mais inclusivas. Começando por exemplo:

  • com a revisão das ações afirmativas da sua empresa
  • construindo estruturas inclusivas que tenham base no protagonismo e escuta dos grupos diversos
  •  melhorar e aumentar práticas de liderança inclusiva, permitindo que a tomada de decisão venha de outros lugares, de outras visões de mundo e experiências. 

A construção de ambientes diversos e mais inclusivos deve sempre ter como premissa que o lugar de fala de indivíduos socialmente silenciados seja escutado e que suas demandas sejam colocadas em prática.

Sabe onde a sua empresa pode encontrar diferentes lugares de fala? Leia nosso artigo sobre “O que é um grupo de afinidade e por que a sua empresa precisa de um”.  E torne sua empresa ainda mais diversa e inclusiva.