O acesso à educação e a oportunidades dignas de trabalho são direitos fundamentais da população brasileira. Mas sabemos que, nem sempre, eles são garantidos. Principalmente quando falamos de grupos minorizados, como pessoas com deficiência, indígenas, negras e LGBTQIA+. Hoje, porém, as ações afirmativas estão mudando esse cenário. 

Uma pesquisa realizada pelo instituto Ethos sobre o perfil social, racial e de gênero das 500 maiores corporações do Brasil escancara que as ações afirmativas são fundamentais para que pessoas negras saiam de trabalhos operacionais e passem para cargos de liderança. E mais, que pessoas trans ganhem mais espaço no mercado de trabalho.

Neste texto, você vai saber mais sobre o que são ações afirmativas e qual o impacto dessa política no acesso ao mercado de trabalho. Além de conferir vai dicas para construir uma empresa mais diversa e igualitária por meio da aplicação dessas ações. Continue a leitura!

O que são ações afirmativas?

As ações afirmativas são iniciativas que buscam reparar as desigualdades sociais e raciais presentes na sociedade. 

Nas empresas, são programas ou políticas que servem como um meio para que as pessoas de grupos historicamente excluídos possam ter as mesmas oportunidades dos profissionais que não fazem parte desses grupos.

Inclusive, é importante destacar que as ações afirmativas têm previsão legal. Esse conceito foi estabelecido pela primeira vez no Brasil por meio da Lei federal nº 12.288, de 20 de julho de 2010, também conhecida como Estatuto da Igualdade Racial.

O Estatuto da Igualdade Racial constitui um marco legislativo para a proteção e promoção da igualdade racial na ordem jurídica brasileira. Seu objetivo central é garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos, difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica.

Outro exemplo de ação afirmativa contemplada por lei, é a que determina a reserva legal de vagas para PcDs em empresas privadas e concursos públicos. Embora esta Lei n° 8.213 tenha sido promulgada em 1991, as pessoas com deficiência ainda encontram entraves para entrar no mercado de trabalho.

Grupos minorizados e ações afirmativas 

Vale ressaltar ainda que os chamados grupos historicamente excluídos, ou simplesmente grupos minorizados, estão longe de ser minoria em termos populacionais. 

Isso porque mesmo que eles nem sempre representem a maioria da população, a quantidade de pessoas pertencentes a esses grupos é bastante significativa, podendo ser maior que a população de alguns estados brasileiros, por exemplo. 

  • Pessoas negras e pardas são maioria no país, assim como mulheres, conforme dados do IBGE;  
  • Cerca de 9% da população se declara pertencente ao grupo de pessoas LGBTQIAP+, segundo pesquisa do Instituto Datafolha. 
  • Até 2060, é previsto que existam cerca de 73 milhões de pessoas com mais de 60 anos no Brasil, conforme projeções do IBGE
  • A Pesquisa Nacional de Saúde de 2019 do IBGE apontou que existem cerca de 17,2 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência no Brasil. No entanto, apenas 28,3% das PcDs em idade para trabalhar estavam ativas no mercado. Em comparação semelhante, o percentual das pessoas sem deficiência foi de 66,3%.  

Ações afirmativas no ensino superior

Agora que você já sabe o que são ações afirmativas, vamos entender um pouco mais sobre a evolução dessa política de cotas no ambiente acadêmico e entender a importância dessas medidas. 

Desde o início dos anos 2000, instituições públicas e privadas começaram a implementar cotas de ingresso. Até que em 2012, foi promulgada a Lei nº 12.711, um marco para as ações afirmativas voltadas ao ingresso no ensino superior. A lei foi fundamental para ampliar o acesso de pessoas estudantes de escola pública, negras, pardas e indígenas ao ensino superior. 

Dados produzidos pelo Consórcio de Acompanhamento das Ações Afirmativas (CAA) a partir da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (PNAD) do IBGE, mostraram que de 2001 para 2020, o percentual de pessoas negras, pardas e indígenas no ensino superior passou de 31% para 52%. E de pessoas das classes C/D/E passou de 19% para 52%. 

10 anos da Lei de Cotas: o que ela representa?

Em 2022, a Lei de Cotas, como ficou conhecida, completou 10 anos de vigência. 

Em relação aos grupos minorizados, essa lei possibilitou que as pessoas tivessem uma nova perspectiva de carreira. Por exemplo, jovens que antes não viam como possível o ingresso em determinados cursos, tendiam a escolher cursos menos concorridos, numa tentativa de se encaixarem no mercado de trabalho. 

Após a lei, cursos historicamente tidos como menos inclusivos, como Medicina e Direito, foram os que mais avançaram depois das cotas. Além disso, algumas universidades têm expandido a aplicação da lei, incluindo também pessoas trans, por exemplo. 

Desempenho dos estudantes 

Antes de fazermos a conexão fundamental entre esse acesso à educação e o mercado de trabalho, vale a pena quebrarmos um mito que ronda “o que são as ações afirmativas”.

Por exemplo, a ideia de que a entrada de cotistas diminui o nível de desempenho dos estudantes do ensino superior não se comprova. Hoje, diferentes estudos negam essa hipótese.  

Conforme publicação do CAA, o desempenho de alunos e alunas cotistas é equivalente ao dos estudantes não cotistas. E que, além disso, as desigualdades percebidas nas notas obtidas nas provas para ingresso são drasticamente reduzidas ao longo da universidade. 

Impacto das ações afirmativas no mercado de trabalho 

A partir do momento em que as universidades abriram as portas para que pessoas de grupos minorizados pudessem ter mais acesso ao ensino superior, obstáculos de desenvolvimento foram quebrados. 

Muitas pessoas de grupos minorizados, hoje são exemplos de sucesso dessa política. Pois tiveram uma formação superior de qualidade e competências suficientes para conseguirem aproveitar oportunidades e desenvolver suas carreiras. No entanto, ainda há muito para se melhorar. 

Além disso, é impossível negar que todas as pessoas de grupos minorizados ainda precisam enfrentar preconceitos diversos, vieses inconscientes, desconfiança de recrutadores e lideranças nas empresas. 

Conforme uma pesquisa feita pelo portal Vagas.com em 2020, apenas 5% das pessoas negras ocupam cargos de gerência ou diretoria nas organizações. Desse modo, 47,6% permanecem em cargos operacionais, mesmo que em comparação ao grau de instrução em nível superior, por exemplo, essas pessoas tenham praticamente grau de instrução igual ao dos colegas que são pessoas brancas. 

Esses dados nos fazem crer que existem profissionais altamente qualificados para suprirem ações afirmativas em ambientes corporativos. Sendo um mito a ideia de que as pessoas contratadas em vagas afirmativas não estariam qualificadas o suficiente para os cargos, necessitando de mais desenvolvimento após a contratação, por exemplo. 

O que se faz necessário, é a construção de uma cultura organizacional inclusiva nas empresas. De colegas de trabalho conscientes da diversidade, que reconhecem a existência do racismo estrutural e que por isso estão dispostos a se capacitar para lidar com essa realidade. 

Ações afirmativas nas empresas de acordo com instituto Ethos

A pesquisa realizada pelo instituto Ethos sobre o perfil social, racial e de gênero das 500 maiores corporações do Brasil também mapeou as ações afirmativas desenvolvidas por essas empresas.

Ações afirmativas para pessoas com deficiência

Segundo o estudo, a maioria das iniciativas são para aumentar o número de pessoas com deficiência na organização:

  • 93% contam com programas especiais para contratação de PcDs;
  • 60,5% das empresas têm programas de capacitação que visam melhorar a qualificação profissional;
  • 18,6% estabeleceram ações que reduzissem a desigualdade salarial entre pessoas com e sem deficiência.

No entanto, os profissionais PcDs são maioria em cargos operacionais. Inclusive, o estudo mostrou que as ações afirmativas para PcDs nas empresas tendem a ser empregadas no quadro geral de funcionários e poucas são as empresas que investem em políticas para que essas pessoas cheguem a cargos de liderança.

Ações afirmativas para pessoas negras

O estudo mostrou que pessoas negras são o grupo de profissionais que menos contam com ações afirmativas nas 500 organizações entrevistas pelo instituto Ethos:

  • 33,3% contam com programas especiais para contratação de pessoas negras;
  • 55,6% das empresas têm programas de capacitação que visam melhorar a qualificação profissional;
  • 33,3% estabeleceram ações para reduzir a desigualdade salarial entre pessoas negras e não-negras;
  • 11,1% promovem ações para que pessoas negras ocupem cargos de liderança.

A prova disso é que nas empresas entrevistadas apenas quatro empresas do conjunto de 117 que contam com alguma política de diversidade racial, estabeleceram ações afirmativas para ampliar o acesso de profissionais negros nos níveis de supervisão, gerência e quadro executivo.

Empresas que adotam ações afirmativas no Brasil

No mercado brasileiro, há diversos exemplos reais de ações afirmativas nas empresas. Como você viu, a legislação garante hoje a reserva de vagas para pessoas com deficiência. Mas há também programas com o objetivo de promover a diversidade racial e de gênero. 

Google

O Google, por exemplo, estabeleceu a meta de aumentar em 30% a representatividade de profissionais negros em cargos de chefia até 2025. Além disso, lançou o programa Next Step, um estágio que não exigia fluência em inglês, oferecendo um curso intensivo do idioma, ampliando a oportunidade para jovens negros.

Coca-Cola Brasil

Outra empresa engajada em ações afirmativas é a Coca-Cola Brasil, que criou um grupo de Inclusão Racial dentro do Comitê de Diversidade, revisou os processos de recrutamento para contratar profissionais negros em todos os níveis e implementou o programa de Mentoria Reversa, em que profissionais negros atuam como mentores da alta liderança sobre letramento racial. Essas iniciativas visam promover um ambiente de trabalho inclusivo e proporcionar oportunidades de crescimento pessoal e profissional para todos os colaboradores.

Magazine Luiza

A Magazine Luiza também adotou ações afirmativas para ampliar a diversidade racial entre seus líderes. O programa de trainee da empresa é voltado para recrutar negros universitários e recém-formados, com o objetivo de aumentar a representatividade desse grupo. Outras empresas como Bayer, Ambev e P&G também possuem processos seletivos com foco na inclusão racial.

Nubank e Vale

Além da diversidade racial, empresas como Nubank e Vale estão implementando ações afirmativas para promover a diversidade de gênero. O Nubank abriu vagas exclusivas para mulheres cis e trans em sua área de Engenharia de Segurança, buscando aumentar a pluralidade no banco digital. Já a Vale abriu mais de mil vagas exclusivas para mulheres e pessoas com deficiência em seu Programa de Formação Profissional, como parte de sua meta de dobrar a representatividade feminina até 2025. Essas ações visam criar ambientes mais diversos, incentivar a inovação e valorizar a singularidade de cada indivíduo.

Qual é o impacto das ações afirmativas no RH?

O setor de RH tem um papel estratégico para promover a pluralidade cultural e étnica, assim como a diversidade de gênero, crença e outras identidades na empresa. Por isso, as ações afirmativas começam impactando essa equipe no modo como realiza os processos seletivos.

Ou seja, as ações afirmativas vão desde o momento de recrutar pessoas até a permanência nas empresas. Além de elaborar processos seletivos que sejam mais inclusivos, é preciso pensar em ações afirmativas após os colaboradores já fazerem parte da empresa

Pensar em programas de desenvolvimento para melhorar o desempenho dos grupos minorizados, é essencial para permanência e engajamento nas equipes.

Novamente de acordo com uma pesquisa realizada pela plataforma Vagas.com.br, em 2020, uma minoria de trabalhadores negros ocupam cargos de supervisão e diretoria, de média e alta gestão, nas empresas privadas: apenas 0,7%. Já em cargos operacionais, a porcentagem de negros e pardos é de 47,6%.

Esses dados revelam que as ações afirmativas não se resumem apenas a contratar pessoas diversas, é papel do RH pensar em programas, projetos, cursos que possam desenvolver esses colaboradores que fazem parte de grupos minorizados.

Além de pensar em salários que sejam equivalentes para todos sem distinção de cor, raça, gênero e idade.

Como as empresas podem adotar ações afirmativas?

Para promover ações afirmativas no ambiente corporativo, é preciso pensar em práticas de inclusão e diversidade. A seguir, você encontra algumas dicas para ajudar sua empresa nesse processo.

Reformular o recrutamento

Se a sua empresa está implementando ações afirmativas, é fundamental repensar os processos de recrutamento. Desde a divulgação da vaga, é essencial focar nas atividades reais da função, deixando de lado requisitos desnecessários. Além disso, é importante utilizar linguagem inclusiva no anúncio, ressaltando quando forem vagas exclusivas para algum segmento. 

Ao mesmo tempo, ofereça treinamento para a equipe que vai conduzir as entrevistas. Busque eliminar vieses inconscientes e evite perguntas discriminatórias. Se a vaga for exclusiva para mulheres, por exemplo, evite perguntar se elas desejam ser mães. Pois essas posturas podem coagir ou constranger candidatas. Também preste atenção para acolher pessoas trans que usam nome social e PCDs que precisem de alguma adaptação no processo seletivo. 

Observar a inclusão como um processo contínuo

Já falamos por aqui que é importante que o setor de RH e time de líderes saibam o que são ações afirmativas e tenham consciência de que não basta abrir vagas exclusivas para pessoas negras, PcDs ou para comunidade LGBTQIA+. Esse processo deve ser contínuo, possibilitando igualdade e oportunidades para todos e todas.

Processos seletivos mais justos são fundamentais para isso. No entanto, a inclusão não para por aí, pensar em práticas de diversidade e inclusão faz parte da política de ações afirmativas. Assim como pensar em apoiar a formação de grupos de afinidades ou implementar programas de formação de liderança.

Envolver a liderança da empresa

Não podemos esquecer que o setor de RH faz a mediação entre pessoas gestoras, colaboradoras e candidatas que pretendem uma vaga. Sendo assim, essa equipe não pode trabalhar sozinha. Ela depende também da mudança de pensamento e postura da própria organização, passando inclusive por CEO e outros executivos.

Portanto, é importante envolver os gestores com foco na transformação, destacando a intencionalidade de criar de fato uma liderança mais inclusiva, que esteja preparada para abraçar a diversidade.

E quando falamos em abraçar a diversidade estamos nos referindo a sair da zona de conforto, buscando letramento racial e estudando sobre diferenças culturais e outras identidades dos grupos minorizados que destacamos durante o texto.

Investir na retenção e no desenvolvimento profissional

Além de investir em ações para garantir o ingresso de profissionais diversos, é fundamental que eles continuem na empresa. No mesmo sentido, é importante que se sintam valorizados e tenham oportunidade de crescimento. Para isso, a empresa precisa ter planos de carreira bem estruturados. 

A população negra tem um histórico de exclusão social, por isso, esse grupo possui menos acesso a espaços de conhecimento. O mesmo acontece com PcDs que têm mais acesso à educação básica, mas o número de pessoas com deficiências matriculadas tende a cair, à medida que se aumenta o nível de instrução.

Por isso, é fundamental mapear as habilidades e entender as aspirações desses profissionais. Assim, você pode investir em programas de reconhecimento e formação de lideranças diversas. 

Afinal, é preciso que a pessoa queira se tornar um líder, não é mesmo? Há profissionais que preferem atuar como especialistas técnicos. Essas singularidades acerca dos indivíduos a empresa só consegue com escuta ativa das lideranças envolvidas.

Trabalhar datas históricas importantes na empresa

As ações e estratégias afirmativas também podem envolver a abordagem de datas históricas importantes.

Datas importantes como: Dia da Consciência Negra, Dia Internacional da Mulher Negra, Latina e Caribenha, Dia Internacional da Mulher, Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+ são relevantes para a população brasileira e devem ser dias de reflexão e homenagens.

É importante mostrar a luta desses povos por dignidade e igualdade, além de reforçar aquilo os desafios que precisam ser superados. E a sua empresa, já adotou ações afirmativas? Se você tiver dúvidas sobre o assunto e quiser saber por onde começar suas políticas de diversidade, equidade e inclusão, entre em contato conosco!